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Texto: Fábio Luís Fonseca - 06/02/2007
Hoje faz 70 anos que faleceu Hugo Cantergiani, pioneiro da aviação civil brasileira. Muito antes de dar nome ao Aeroporto de Caxias do Sul, na Serra gaúcha, este intrépido dos ares, nascido em 1908, durante toda sua infância sonhou em alcançar os céus, o que realizou em 1929, quando foi chamado para o curso de piloto militar na Escola de Aeronáutica do Exército, fundada dez anos antes no Campo dos Afonso/RJ.
Sua carreira a bordo das aeronaves militares brasileiras foi interrompida por um fatídico acidente ocorrido em fevereiro de 1933 no Porto de Maria Angu, que vitimou o companheiro Terceiro-Sargento Edmundo Seixas. Hugo perdeu parcialmente o movimento do braço esquerdo, o que o afastou da carreira militar, sendo reformado como Terceiro-Sargento-Aviador.
O vírus da aviação estava no sangue deste jovem gaúcho, que apesar da seqüela física e do orgulho ferido, não se deu por vencido e juntamente com alguns amigos, sem qualquer apoio governamental e nem sequer aviões, fundaram uma escola para formação de pilotos civis do Brasil, a Escola de Aviação Civil Hugo Cantergiani, situada na Ponta do Calabouço, atual Aeroporto Santos Dumont.
Através de uma sociedade entre os amigos Sargentos Darci Maggi, Leonel Lima e José Ubirajara, Cantergiani conseguiu adquirir os restos de um monomotor Breda 15 de 90HP, que foi usado e avariado durante Revolução de São Paulo, e estava fora de serviço há muito tempo. O pequeno avião foi levado para a Garagem Rio-Minas, situada na Rua Uranos, nº 1137, onde foi remontado pelos jovens militares. Registrado no Departamento de Aviação Civil, recebeu o prefixo PP-TBB e foi batizado com o nome do "Sargento Seixas", em homenagem ao colega falecido no acidente que afastou Hugo da carreira militar.
Antes mesmo de alçar vôo, a avião chamou a atenção dos moradores da rua Uranos, que desconfiados acionaram o Departamento de Ordem Pública e Social (DOPS) da polícia para averiguar como aquele bólido foi parar naquele local, tão distante do aeroporto.
Após colocar o PP-TBB em condições de vôo, Hugo Cantergiani e seus companheiros, arrepiavam os cabelos dos moradores da Cidade Maravilhosa, com suas arrojadas acrobacias na orla marítima. Os jornais de época chamavam a atenção para o risco que corriam os banhistas de Copacabana e região, que poderiam ser acertados pelas rodas "daquele aviãozinho branco" que voava muito baixo.
Como acontecia na Europa, Hugo resolveu traçar riscos de fumaça nos céus da Capital Federal e para isso utilizou uma mistura de ácido e gás sulfúrico, inventado por um piloto sueco. Esta verdadeira obra de alquimia era acondicionada numa "granada" presa ao avião. Com habilidade e treinamento o piloto gaúcho conseguia escrever a palavra "Brasil" nos céus, enchendo de orgulho a população do Rio. Até mesmo o Sr. Getúlio Vargas, Presidente da República, viu essa manobra e mandou chamar o arrojado piloto para cumprimentá-lo e estimulá-lo em sua "campanha patriótica".
Durante uma viagem até a capital pernambucana, Hugo Cantergiani levou o Breda-15 a bordo de um navio da Marinha. A fim de obter algum dinheiro para sustentar sua estadia no Recife, resolveu realizar vôos jogando "reclames" de casas comerciais sobre a cidade, o que sem dúvida era algo inédito para a época. Cantergiani regressou ao Rio de Janeiro voando, o que foi um feito fantástico para a época, merecendo manchetes de primeira página, com os dizeres: "Um audacioso feito aéreo – de Recife ao Rio de Janeiro em dezesseis horas de vôo em pequeno avião". O PP-TBB foi destruído em 01/06/36, após cair em um jardim na Rua Bela de São Luiz (RJ), tendo como piloto Soriano Bastos, que saiu levemente ferido.
Como nem tudo são glórias, durante as aventuras do piloto gaúcho pelos céus do país, ocorreram alguns incidentes, como por exemplo uma pane seca enquanto evoluía sobre a cidade de Nova Lima/MG, quando rumava para a capital mineira. Semi-destruído após um pouso inesperado, os tripulantes nada sofreram, mas o avião voltou por via terrestre até o Rio de Janeiro, onde foi recuperado e posto em condições de vôo.
Nos primeiros dias de 1937, Hugo Cantergiani planejava voar pela primeira vez até a sua terra natal, a fim de se apresentar durante a 5ª Festa da Uva que se iniciaria em 28 de fevereiro. Entretanto o destino estava traçado e, infelizmente no dia 06 de fevereiro, sábado de carnaval, o piloto gaúcho decolou pela última. Hugo estava na nacele frontal de um avião modelo Moth (sic), e pediu ao aluno César Vasconcelos que acompanhasse os movimentos do manche, apenas colocando levemente a mão neste dispositivo. Logo após a decolagem, o jovem aluno entrou em crise nervosa e empurrou fortemente o manche para frente, sem chance de o instrutor recuperar a manobra devido à baixa altura. O Moth se espatifou na cabeceira oposta, deixando ambos tripulantes gravemente feridos, sendo levados com vida até o Pronto Socorro, aonde Hugo e seu novato aluno vieram a falecer posteriormente. Conforme o depoimento do Sr. Lauriano Bombassaro, testemunha ocular da tragédia, Hugo permanecia lúcido enquanto aguardava agoniadamente a chegada da ambulância e, após perguntar como estava o aluno, murmurou: "Sinto que não poderei sobreviver... adeus aviação civil....acabou o Hugo."
Hugo Cantergiani foi um dos pioneiros na aviação civil brasileira, e como uma ave acendeu aos céus, mas seu vôo foi tão rápido como a passagem de uma estrela cadente, e aos 29 anos de idade, deixou sua família e amigos para se juntar a esquadrilha daqueles que já partiram.
(Fonte de pesquisa: "Um risco no céu - Odisséia de um aviador". Livraria e Editora Maneco, Caxias do Sul, 1991)
( Foto: http://www.navigabile.it/StorieAlVolo/Visita/Breda.aspx )
