O acidente com DC-3 na Serra do Cipó

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José Cursio
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O acidente com DC-3 na Serra do Cipó

Mensagem por José Cursio »

Bom dia amigos Forenses.

Fonte – Livro O Rastro da Bruxa.

Comandante Carlos Ari Cesar Germano da Silva

Acidente com o Douglas DC-3 da Transportes Aéreos Nacional

Vôo inaugural em Maceió?

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Como de costume, ao entardecer do dia 31 de maio de 1954 Lucia Calmon Silva, da Transportes Aéreos Nacional, foi buscá-lo no Aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte. Naquela segunda feira, Paulo saíra cedo de casa para realizar vários vôos, dentre os quais o que ligava a capital mineira à cidade de Governador Valadares. Por volta das 08h50, o Douglas DC-3 PP-ANO da Nacional decolou de Governador Valadares para Belo Horizonte com plano de vôo visual (VFR). Alem do comandante Sabino, iam a bordo o co-piloto Aloísio Paiva Dotto, o radiotelegrafista Urbano Santana, o comissário Nilton Signorini e 15 passageiros. O vôo teria a duração aproximada de uma hora, e as boas condições gerais da rota e do destino faziam prever uma viagem de rotina.

Às 09h30 da manhã, o radiotelegrafista Urbano, comunicou ao centro de controle que o PP-ANO passava o través de Itabira, informando a hora de chegada em BH. Como o avião não pousou no Aeroporto da Pampulha, nem dele se teve mais noticia vários aviões, da Nacional, FAB, OMTA, Imperial e do Aero Clube de Minas Gerais passaram a percorrer a rota tentando localizar o avião desaparecido. Somente às 15h30, os destroços do DC-3 foram avistados pelo comandante Vilela, da Imperial, na Serra do Boi, continuação da Serra do Cipó, nas proximidades da cidade de Ituverava. Aparentemente, o DC-3 colidira inadvertidamente com a encosta rochosa da serra em vôo de cruzeiro – “entrara voando na montanha”, no jargão dos aviadores.
No Aeroporto da Pampulha, Lúcia ficou aguardando o retorno de Paulo até o anoitecer, quando retornou a sua residência ainda sem saber do desastre, talvez imaginando que algum imprevisto retivera em algumas das muitas escalas daquele dia.

Oswaldo Profeta, que na época do acidente era radiotelegrafista de bordo da Nacional
Relata em seu livro “Pouso Forçado”, que ao chegar no Aeroporto da Pampulha para assumir o vôo para Governador Valadares foi abordado por seu colega e amigo, Urbano Santos, com a proposta de trocarem suas programações. Urbano faria o vôo de Profeta para Governador Valadares e, em quanto este seguiria para Uberaba, vôo para o qual Urbano estava escalado. A troca de última hora salvou a vida de Profeta e selou o destino de Urbano.

O comissário de bordo Nilton Signorini tinha vinte anos de idade e desde menino sonhava em ser aviador. Concluíra o curso de pilotagem no Aero Clube de Minas Gerais e aguardava com ansiedade o dia em que trocaria a cabine de passageiros pelo assento da direita de um dos Douglas DC-3 da Nacional, ocasião em que pretendia pedir em casamento sua namorada, filha de conceituada família da capital mineira.
O co-piloto Aloísio Paiva Dotto recentemente fora admitido pela Nacional, tendo acumulado apenas 100 horas de vôo na empresa mineira, o que correspondia aproximadamente um mês de trabalho, naquela época.

Ao colidir com a Serra do Cipó, o PP-ANO estava 50 km desviado à direita da rota
Governador Valadares – Belo Horizonte e voava a 5.000 pés sobre região cuja cota máxima atingia 5.709 pés, (1.730 metros) de altitude. Naquela manhã, a Serra do Cipó estava encoberta por nuvens baixas, que normalmente se dissipavam por volta das 11h. O vôo a cinco mil, pés eram seguros em condições visuais (VMC), porém vôos em condições instrumentos (IMC) deviam ser realizados, no mínimo, a sete mil pés de altitude. A comissão investigadora imputou o acidente... Exclusivamente ao comandante Paulo Sabino da Silva, por tentar ultrapassar formação de nuvens situadas junto a serra sem observar a altitude mínima de segurança da rota; pela pouca atenção que vinha dando à navegação, não percebendo o grande desvio da rota, alem do fato de se encontrar no compartimento de passageiros na hora do acidente, deixando a pilotagem do avião a cargo do co-piloto Dotto e do comissário Signorini.

Mesmo consideradas s dificuldades enfrentadas pela comissão em face da precariedade dos recursos de investigação da época, atribuir o acidente exclusivamente ao comandante Sabino reduzia uma situação complexa a simples falta disciplinar. A conclusão dos investigadores parece se haver fundamentado ao fato de o avião estar desviado 50 km à direita da rota e o corpo de Sabino ter sido encontrado junto aos dos passageiros, enquanto os corpos de Dotto e Signorini estavam nos destroços da cabine de comando. O relatório final do acidente, no entanto, registra que nenhum dos membros da comissão pôde verificar in loco a posição dos corpos antes que fossem removidos do local por soldados do Corpo de Bombeiros.
A posterior localização das vitimas no local do desastre pelo chefe dos bombeiros também era de validade discutível, tendo em vista que a identificação dos corpos, mutilados e despedaçados pela violência do impacto, somente pode ser estabelecida mais tarde pelo Instituto Médico Legal de Belo Horizonte.

Por tanto, tudo indica que a posição dos corpos foi estabelecida com base, principalmente, no testemunho do comandante Hilton Machado, fundador e dirigente da Nacional, um dos primeiros a chegar ao local do acidente, antes mesmo dos bombeiros. Hilton declarou à comissão que os corpos de Dotto e Signorini estavam próximos a fuselagem, enquanto os corpos dos demais haviam sido lançados à grande distância. Suas declarações foram acatadas pela comissão não só pela qualidade do declarante, mas também porque somente os corpos de Dotto e Signorini apresentavam sinais deixados pelo fogo, que consumiu os destroços. Hilton afirmou, ainda, que Dotto tinha os braços cruzados sobre a face, como um gesto de defesa.
Com base nessas evidencias, a comissão concluiu que Dotto e Signorini pilotavam o PP-ANO, enquanto Sabino estava na cabine de passageiros no momento do impacto com a Serra do Cipó.

É fácil seguir a linha de raciocino que levou a comissão a “imputar exclusivamente” ao comandante a responsabilidade pelo acidente. Sabino voara 100 horas nos últimos 30 dias e devia estar cansado. O tempo era bom, a rota conhecida, o avião estava em boas condições mecânicas e havia 13 lugares vagos na cabine de passageiros.
O jovem comissário Signorini devia estar ansioso para pilotar o DC-3. Dotto, embora novato na empresa, talvez fosse piloto experiente, conhecido de Sabino. Porque não deixar o garoto se divertir um pouco e aproveitar para “dar um esticadinha” numa das confortáveis poltrona de passageiros? Atitude desse tipo, embora hoje proibidas, faziam parte da cultura operacional da época.

Voava-se muito naqueles tempos. Os aviões eram lentos, barulhentos e não dispunham de ar condicionado. As jornadas de trabalho normalmente tinham inicio ainda de madrugada, terminando ao entardecer. A intimidade com o vôo fazia muitos pilotos esquecerem os riscos da profissão, somente lembrados quando ocorria um grande acidente. A formação profissional deixava a desejar, e a supervisão das empresas aéreas era com raras e honrosas exceções, frágil ou inexistente. Caso Sabino estivesse mesmo descansando entre os passageiros, não se constituiria em exceção pelos seus pares, já que tal conduta era implicitamente tolerada pelo sistema de transporte aéreo de então.

É importante ressaltar que, em passado não muito distante, as empresas aéreas norte-americanas incentivavam seus comandantes a circular entre os passageiros para infundir-lhes confiança no transportes aéreo e tranqüilizá-los, prática também estimulada por empresas aéreas brasileiras da época. Foi somente bem mais tarde, quando a Federal Aviation Regulations (FAR), a que correspondem os Regulamentos Brasileiros de Homologação Aeronáutica (RBHA), e passaram a proibir tal costume, que os pilotos foram obrigados a permanecer durante todo o vôo na cabine de comando, dela podendo se afastar somente para atender necessidades fisiológicas. Assim contextualizando-se o presumido comportamento do comandante Sabino, verifica-se que o veredicto da comissão investigadora parece ser expressado mais as convicções pessoais de seus membros do que a realidade operacional daqueles tempos, o que de certo modo transfere parte da responsabilidade pelo acidente dos ombros de Sabino para todo o sistema brasileiro de aviação civil da época.
Com exceção ao rádio farol da Pampulha, que possuía alcance limitado a rota Governador Valadares – Belo Horizonte não dispunha de qualquer outro balizador.

A navegação se fazia mantendo-se o rumo preestabelecido, variando-se ligeiramente a proa apenas para corrigir a deriva e efetuar pequenos desvios. Um vôo visual, como se estava sendo realizado, utilizava como referencia básica o terreno e a velha bússola “chinesa”, que tendia pressionar devido aos balanços provocados pelo ar normalmente turbulento das baixas altitudes. Para que os pilotos pudessem contar com referencia mais confiável, os aviões eram dotados de um “giro direcional”, que o piloto devia freqüentemente aferir e ajustar pela bússola chinesa.

Talvez algumas variações de proa para contornar formações de nuvens, somadas à influencia do vento que soprava a 5.000 pés, tenha levado o avião a se afastar da rota programada. Caso Signorini realmente estivesse pilotando o avião, a probabilidade de ter cometido um grave erro de navegação é realmente muito alta, dada a sua pouca experiência. Embora a versão oficial do acidente tenha se baseado nas evidências disponíveis, talvez não tenha conseguido traduzir a verdade dos fatos. De qualquer forma, é possível, com base nas mesmas evidências consideradas pela comissão investigadora, tentar reconstituir de outro modo a cadeia de eventos que resultou no choque do PP-ANO com a Serra do Cipó, “nem tudo que reluz é prata; nem tudo que brilha é ouro” diz o velho ditado.

Fundamentado na velha lei do menor esforço, suponhas- mos que a navegação visual no trecho Governador Valadares – Belo Horizonte na verdade tenha sido realizado com referencias a uma estação radio difusora comercial (Broadcasting) situada ao longo da rota, procedimento comum numa época de poucos recursos. Embora facilitasse o trabalho dos pilotos, tal procedimento envolvia o risco de o piloto seguir inadvertidamente as indicações de uma Broadcasting diferente daquela que imaginava haver sintonizado. Se as freqüências muito próximas ou semelhantes, e se o radio goniômetro (ADF) indicasse a direção esperada, os pilotos tendiam a seguir as indicações incorretas, pois raramente se davam ao trabalho de identificar as Broadcastings, tarefa que exigia escutas demoradas de programações enfadonhas, muitas vezes acompanhada de forte chiados de estática. Ademais, as emissoras não acostumavam dar seus prefixos nos intervalos de tempos previstos em lei. Assim, Sabino, Dotto ou Signorini podem ter sintonizado por engano a Broadcasting de outra cidade que não Belo Horizonte.
Estando então o avião longe do destino, o ADF pode inicialmente pode ter apontado a direção geral da capital mineira, induzindo os pilotos a segui-lo na presunção de que se tratava de Broadcasting de Belo Horizonte, tipo de erro operacional relativamente comum na época devido mais à precariedade da infra-estrutura das rotas aéreas do que propriamente a negligencia dos pilotos. Não se deve, também, descartar a possibilidade da posição dos corpos haverem sido incorreta e inadvertidamente estabelecida pelo comandante Hilton Machado devido ao choque emocional provocado pelo cenário macabro. Também há que se considerar a hipótese de Sabino ter deixado momentaneamente a cabine de comando para fazer uso do único lavatório de bordo, localizado na parte de trás da cabine de passageiros. Neste caso, sua ausência na cabine de comando estaria plenamente justificada.

O PP-ANO voava sereno a 5.000 pés de altitude e faltavam ainda vinte minutos para o pouso em Belo Horizonte. Sabino e Dotto seguiam o ponteiro do ADF, ignorando que a - Broadcasting selecionada os estava conduzindo na direção das elevações que forma a Serra do Cipó, ocultas pelas nuvens. Ao deixar a cabine de comando para ir ao banheiro, Sabino talvez tenha convidado Signorini, que provavelmente já concluíra o serviço de bordo e deveria estar por ali, observando, a operação, a senta-se em sua poltrona – gesto de simpatia e camaradagem tão comum na aviação, especialmente naqueles tempos. Nesta hipótese, a conduta de Sabino dificilmente poderia ser considerada negligencia no exercício de suas funções.

O inexorável transcorrer do tempo vai aos poucos relegando a tragédia da Serra do Cipó ao esquecimento. Em face das evidências que o condenaram, o comandante Paulo Sabino da Silva merece da posteridade, se não absolvição, ao menos o beneficia da duvida, pois in dubio pro reo.

Abs. Cursio
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Augusto
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Re: O acidente com DC-3 na Serra do Cipó

Mensagem por Augusto »

No contexto da epóca é bom lembrarmos que houve muitos casos em que profissionais com pouca experiência de voo, mas com excepcional capacidade de aprendizagem realizaram muitas façanhas dignas de relato.
Assim, seria comum constatarmos se pesquisado for, casos em que mecânicos realizaram milagres com os poucos recursos que tinham e colocaram complexos motores radiais para funcionar de modo confiável, instrumentos de voo e comunicação viviam no eterno improviso de manutenção no reino das companhias menores (não que isso fosse um padrão, mas quase!)pilotos que formaram-se em aviões pequenos monomotores passavam em frações de tempo( meses ou dias) para aeronaves maiores e multimotores . Proprietários de aeronaves cargueiras compravam em conjunto aeronaves semelhantes que eram trazidas clandestinamente para o país e canibalizadas para conseguir peças de reposição, já que a burocracia de importação naquela epóca era um pesadelo! Considerando os acidentes fatais registrados, até que são modestos em comparação ao número de passageiros transportados e carga!.
EduardoJoseDias
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Re: O acidente com DC-3 na Serra do Cipó

Mensagem por EduardoJoseDias »

Tem um histórico de um DC-3 da Real que se chocou com a Ilha Anchieta(Ubatuba-SP) em 1957. Me parece que as hélices estão no aeroporto local.
José Cursio
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Re: O acidente com DC-3 na Serra do Cipó

Mensagem por José Cursio »

EduardoJoseDias escreveu:Tem um histórico de um DC-3 da Real que se chocou com a Ilha Anchieta(Ubatuba-SP) em 1957. Me parece que as hélices estão no aeroporto local.
Foi em 17/09/1951 o DC-3 da REAL era o PP-YPX.
Folha da Manhã 19/09/1951 tripulação do DC-3 - http://i.imgur.com/wLaSlFy.png" onclick="window.open(this.href);return false;

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Re: O acidente com DC-3 na Serra do Cipó

Mensagem por EduardoJoseDias »

José Cursio escreveu:
EduardoJoseDias escreveu:Tem um histórico de um DC-3 da Real que se chocou com a Ilha Anchieta(Ubatuba-SP) em 1957. Me parece que as hélices estão no aeroporto local.
Foi em 17/09/1951 o DC-3 da REAL era o PP-YPX.
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Abs. Cursio

Oi Cursio, o PP-ANX foi em 10 de abril de 1957.
José Cursio
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Re: O acidente com DC-3 na Serra do Cipó

Mensagem por José Cursio »

EduardoJoseDias escreveu:
José Cursio escreveu:
EduardoJoseDias escreveu:Tem um histórico de um DC-3 da Real que se chocou com a Ilha Anchieta(Ubatuba-SP) em 1957. Me parece que as hélices estão no aeroporto local.
Foi em 17/09/1951 o DC-3 da REAL era o PP-YPX.
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Abs. Cursio

Oi Cursio, o PP-ANX foi em 10 de abril de 1957.
Perfeitamente amigo,

Acidente com o PP-ANX
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Jornal O Estado de São Paulo 12/04/1957 - http://i.imgur.com/ZDdtj5D.png" onclick="window.open(this.href);return false;

Abs. Cursio
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