Tico escreveu:Amigos
Alguém poderia me explicar a causa, motivo, razão ou circustância (By Prof. Girafales) desse scrap tão cedo? Tem alguns que acontecem ainda com menos anos de uso. Queria saber qual o critério preponderante para essa decisão.
Tico, é questão de dinheiro. Quando o avião chega ao um determinado número de ciclos, tem que cumprir programas de manutenção, normalmente bem caros. Então, a empresa faz as contas: quanto valerá o avião no mercado, depois de cumprir os tais programas. Conforme o valor, não compensa fazer tais manutenções, e é melhor desmontar, pois ele valerá mais em componentes.
Exemplo: Uma aeronave vale US$ 18 milhões, no estado em que se encontra. Precisa de um gasto de US$ 4 milhões, para continuar em operação. Então, teoricamente valeria US$ 22 milhões depois de pronto. Normalmente, isso não acontece, e é normal que valha, no mercado, por exemplo, US$ 20 milhões. Então, se os engenheiros avaliarem os seus componentes em US$ 19 milhões, com a aeronave desmontada, é melhor desmanchar e comprar outra por US$ 20 milhões, e fica-se com uma aeronave operacional gastando-se US$ 3 milhões a menos. Negocião...
Existe outra hipótese: normalmente, peças de reposição custam mais caro avulsas do que montadas na aeronave. Muitas vezes, o dobro ou até o triplo do preço. Então, se eu tenho uma frota de 20 aviões, todos do mesmo tipo, eu compraria uns dois ou três, novos, para servir de "almoxarifado". Se isso vale para aeronaves novas, imagine para aeronaves de 8 ou mais anos de uso?
Existem transportadoras terrestres que compram grandes frotas de um único tipo de caminhão. Ao invés de gastar uma fortuna na aquisição de peças de reposição, eles simplesmente compram alguns caminhões novos, e nem registram e emplacam os mesmos no Detran, mandam direto pro desmanche, para fornecer peças aos demais. No caso de aviões, a lógica é a mesma. A EasyJet já está picando pelo menos três -700, fabricados em 2004: G-EZKC, G-EZKD e G-EZKG. O fabricante não está nem aí, pra eles é melhor vender aeronaves do que componentes, pois componentes vão equipar aeronaves já desgastadas, cujo risco global de falha é maior, mas com a mesma responsabilidade.
Se eu fosse um executivo da Boeing, por exemplo, sairia comprando, por exemplo, todos os 737 Classic (-300, -400 e -500) no mercado e derretia tudo, sem oferecer as peças usadas no mercado. Isso encareceria o preço das peças, que logicamente não seriam oferecidas novas pelo fabricante, e encareceria, ou mesmo inviabilizaria, a manutenção desses velhos aviões no mercado, criando um mercado para as aeronaves novas, que eu mesmo venderia para eles. Uma frota mais nova voando teria risco muito menor para o fabricante e daria margem a novos negócios. O único risco seria o operador passar a voar aeronaves do fabricante concorrente, mas como provavelmente eles trabalharão no mesmo esquema, é um risco aceitável.
Ainda, se eu fosse executivo da Boeing, faria uma grande campanha para retirar os MD-11 do mercado de carga, oferecendo modelos 777F e 747F no lugar deles. Os MD-11 são modelos de grande sucesso no mercado de carga, tanto que nenhum deles, não acidentado, foi desmanchado até agora. O B747-8F patina no mercado, por sua vez. Então, eu ajudaria a homologar uma empresa de manutenção para converter velhos B777 em cargueiros, especialmente os A-Market, que valem mais picados que inteiros, e compraria os MD-11, derretia tudo, retirando peças de reposição do mercado. Os operadores quase que se veriam obrigados a vender os aviões antes que seu preço ficasse no fundo do poço... Quanto mais o preço baixasse, mais eu compraria, e mais eu derretia. Eu ainda teria um bom e novo mercado para os 747-8F, de quebra, mesmo certificando um 777 cargueiro convertido. Meus principais concorrentes, Embraer e Airbus, ainda engatinham no mercado de cargueiros...
Caso eu fosse executivo da Embraer, eu faria uma ação no sentido de retirar os velhos Brasília do mercado. Já estão velhos, e uma grande maioria está na mão de operadores pouco confiáveis... É um avião difícil de voar, muito rápido, cheio de manhas e complicado. Isso aumenta a possibilidade de acidentes, que são um problema sério para o fabricante. Com mais dinheiro em caixa, já começaria, até mesmo, a comprar e "estocar" os ERJ-145 mais antigos.
Todavia, não sou executivo nem da Boeing e nem da Embraer... sou apenas um professor de aviação. Pra mim, cada avião é quase como um ser vivo, e eu quase choro ao ver um 747 ser desmontado, ainda que ele tenha uns 30 anos de voo. Mas como vocês podem ver, no mundo onde o dinheiro manda, não há muito espaço para sentimentalismos.
Grande abraço.