O fim anunciado dos aeroclubes no Brasil

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Electra
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O fim anunciado dos aeroclubes no Brasil

Mensagem por Electra »

O fim anunciado dos aeroclubes no Brasil

A comunidade aeronáutica ficou furiosa, com razão, ao ver um Douglas DC-3 sendo destruído, há pouco mais de duas semanas atrás, no Rio de Janeiro. Motores, asas, fuselagem, tudo espalhado no chão, retorcido, compondo um monumento final à ignorância. Todos os aviadores de verdade, incluindo nós, do Aeroclube de Itápolis, sentimos revolta.
Ocorre que há uma destruição muito pior ocorrendo na aviação brasileira. Se no caso do DC-3 destruíram “apenas” uma parte de nossa memória, agora, além de continuarem abatendo nossa história, estão destruindo instituições, empregos, oportunidades, conhecimento e sonhos.
E tudo sem um grande trator amassando alumínio de maneira espetaculosa. É um ataque silencioso. E o pior e mais lamentável de tudo: é comandado por aviadores travestidos de boa intenção.
Aqui faremos uma análise completa, profunda, sem nos preocuparmos em produzir um texto curto, de como o SNA - Sindicato Nacional dos Aeronautas, atinge a espinha dorsal da base histórica da aviação brasileira: os aeroclubes. Exploraremos detalhes minuciosos, em diversas perspectivas, e dando exemplos.
Escrevemos aqui para todos os aviadores, futuros aviadores, profissionais e entusiastas da aviação que ainda não ficaram atentos com esses fatos. Explicaremos, inclusive, como o SNA está comprometendo a segurança de voo.
Nós reconhecemos que o sindicato tem feito um bom trabalho no congresso nacional em relação a previdência dos aeroviários. Entretanto, em relação aos aeroclubes, o que eles tem produzido são passos adiantados de um desastre anunciado.
A diretoria do sindicato não quis ouvir ninguém, nem nenhuma ponderação ou análise do que poderia ocorrer. Aviadores e eleitores dessa chapa do sindicato, à época, poderiam interpretar essas atitudes como uma demonstração de firmeza do presidente e diretores do SNA em suas ações.
Passado o tempo, entretanto, quando essa mesma diretoria é incapaz de olhar para trás e enxergar o rastro de destruição como consequência de seus atos, já podemos considerar que é arrogância de uma diretoria interessada em apenas arrancar aplausos dos seus, ou uma completa incompetência analítica.
Vamos pelo começo: há três anos aproximadamente, o SNA iniciou uma pressão por uma regulamentação salarial de instrutores de voo de aeroclubes e escolas particulares de aviação. O objetivo deles, como todo sindicato quer fazer, é melhorar os salários da categoria. A princípio, sem uma análise profunda, parece ser uma luta justa. Queriam trazer uma equivalência maior a outras atividades que pilotos exercem, como pilotos de taxi aéreo, aviões executivos e de linha aérea.
Entretanto, existe uma diferença brutal ignorada pelo sindicato: ser instrutor de voo não é objetivo final de profissão de um aviador. Ninguém faz o curso de piloto comercial e depois de INVA-Instrutor de voo, querendo ser instrutor pelo resto da vida. Dar instrução é uma fase do piloto, um estágio. É a parte final da formação de um profissional. É onde o piloto junta horas de voo e experiência em seu currículo, com o objetivo posterior de seguir para uma linha aérea, taxi aéreo, aviação executiva ou agrícola. A melhor comparação é com o médico residente. Já é médico, já está atendendo, mas está fazendo sua pós-graduação.

Como se constrói a carreira de um piloto

Vamos explicar com detalhes, para quem não sabe, e como incrivelmente parece ser o caso dos diretores aviadores do sindicato, como uma carreira é desenvolvida na aviação. O primeiro curso de um aviador é o curso de piloto privado visual. Com cerca de 45 horas de voo ele conquista essa sua primeira habilitação. Na sequência o aluno inicia o curso de piloto comercial e voo por instrumentos, formando-se com cerca de 150 horas de voo. Durante essas horas, o aluno também pode fazer outras especializações simultaneamente, como o curso de aviões multi-motores.
As companhias aéreas, empresas particulares e taxis aéreos, apenas contratam, salvo raríssimas exceções, pilotos com mais de 500 horas de voo. É exatamente este ponto que o SNA não analisa ou faz questão de ignorar. O piloto precisa chegar a essa experiência de voo. Como dar o salto de 150 para 500 ou 1000 horas ?
Ao ser piloto comercial, o aviador já está apto, pela lei, a trabalhar de modo remunerado. É raro isso acontecer, pois não há um mercado vibrante de aviação geral e executiva de monomotores e bimotores. Hoje em dia, por exemplo, não existem quase os voos de malote de bancos. A evolução tecnológica eliminou essa necessidade. Isso foi, durante um bom tempo, um caminho alternativo para quem precisava dessa experiência.
Portanto, a trajetória mais comum é esse piloto comercial fazer o curso de INVA, em mais cerca de 30 horas, e com um total aproximado de 180, buscar uma vaga no próprio aeroclube ou escola particular onde foi formado. As vagas normalmente abrem quando um instrutor é contratado por uma companhia aérea.

A dinâmica da profissão de instrutor atuando em aeroclube

Nenhum aeroclube ou escola escala um piloto com 180 horas para dar aulas de voo IFR em um avião bimotor. Pela lei ele já está habilitado para ministrar isso, mas na prática, para dar essas aulas, o instrutor precisa não só de mais experiência, como precisa de vivência na aviação.
O caminho natural é o instrutor, supervisionado, assumir primeiramente voos altos, visuais, em aviões monomotores. Ele começa com voos reto e nivelado, navegações, curvas, e prossegue assim, ganhando experiência interna, para depois passar a ensinar pousos e decolagens, simulações de panes, voos noturnos e por instrumentos.
Um piloto com 180 horas já um bom piloto, pode dar as instruções iniciais sem nenhum comprometimento a segurança de voo, mas ainda não é um instrutor pleno. Ele precisa de desenvolvimento.
Dentro do aeroclube o instrutor vivencia a aviação. Sua cabeça está tomada o tempo todo com o assunto. Ele troca conhecimento e continua aprendendo com os colegas mais experientes. É o estágio final do conhecimento: aprende mais quando está ensinando. Logo depois, entre 500 e 1000 horas de voo, está apto, plenamente, a ser copiloto de um Boeing 737, um Airbus ou um Embraer, em uma grande companhia aérea.
Aqui entra outro detalhe que diferencia totalmente a profissão de instrutor de outras profissões: quando eles pedem demissão de um aeroclube ou escola, fazem isso comemorando. Diretores dos aeroclubes comemoram junto. Geralmente fazem um grande e animado churrasco. Isso porque as demissões significam uma enorme conquista na carreira de cada um, porque evoluíram e foram para as companhias aéreas. Qual outra profissão empregados e patrões comemoram demissões juntos?

Um olhar sobre caso Aeroclube de Goiás

Há um ano e meio atrás o aeroclube tinha 18 instrutores registrados. A diretoria foi forçada a fazer um acordo com o SNA. Um ano depois, 12 instrutores já haviam ido para companhias aéreas, aviação executiva e taxis aéreos. Apenas quatro foram repostos, totalizando, logo depois, dez instrutores. Uma redução substancial.
E só houve a reposição desses quatro por uma necessidade específica do caso do Aeroclube de Goiás. Eles precisaram formar instrutores para aviões convencionais, como os Aero Boeros que possuem. Sem este modelo na frota, não seria nem necessária essa reposição.
O SNA queria menos reposições ainda. Mas o aeroclube é presidido por Arsênio Neiva Costa. Quando o sindicado iniciou suas exigências, eles resolveram brigar na justiça. Arsênio, como procurador federal aposentado, com filho também advogado, sabe como navegar nas águas turvas do judiciário com segurança. Chegaram em um meio termo.
Poucos aeroclubes tem disposição, conhecimento, ou força de vontade para entrar em uma grande batalha judicial que pode se arrastar por anos, com resultados imprevisíveis. “Se eu cumprir o que o sindicato quer, eu preciso de apenas seis instrutores. No máximo sete”, afirma Arsênio sobre o aumento da carga de horas de voo mensais para cada instrutor, e consequentes rendimentos, desejada pelo sindicato.
“Em vez de voar 90 horas por mês cada instrutor, sendo seis, prefiro que fiquem dezoito voando 30, 40 horas cada um”, explica. “Eu tenho um bolo aqui, em vez de cortar seis fatias, eu corto em 18. Todo mundo come, ninguém passa fome”, ilustra Costa.
Arsênio fez outra observação, ele afirma que no caso do Aeroclube de Goiás, que pode ser considerado grande, que com menos instrutores, seria até mais fácil de administrar. E que além disso, custaria a mesma coisa, mas seriam menos oportunidades de carreira.

Como o SNA compromete a segurança de voo e formação

O único argumento possível para quem queira defender a posição do SNA, de ter menos instrutores em atividade em cada aeroclube, e esses poucos voando bastante, seria de que a fila para ir para as companhias aéreas aceleraria de velocidade.
Ou seja, que o instrutor precisaria ficar menos tempo no aeroclube ou escola para completar a experiência necessária para ser contratado por uma companhia aérea.
O problema deste pensamento é que não há uma cadência de contratações pelas aéreas e outros ramos da aviação. Mesmo em um país continental como o Brasil, com diversas companhias, há épocas onde nenhuma está contratando. E há épocas onde todas estão contratando ao mesmo tempo, em grandes números. E isso muitas vezes independe da situação da economia em geral do país.
Pense em instrutores em um aeroclube como uma vitrine para companhias aéreas. É neste “estoque” que as empresas vão buscar seus pilotos.
Portanto, temos duas situações, a primeira é onde o ritmo de contratações pelas empresas aéreas está lento ou parado. Neste caso, a fila para ser instrutor do aeroclube não andaria. Teríamos, portanto, poucos instrutores com 1500, 2000, 2500 horas de voo, e uma legião de aviadores travados em suas 180 horas, sem a oportunidade de juntar mais, além de estarem longe da aviação.
Isso ocorre porque nenhum aeroclube vai demitir seu instrutor sem que ele mesmo peça demissão para ir para uma companhia, ainda mais sendo um instrutor experiente, onde a diretoria já desenvolveu confiança plena em sua capacidade.
A segunda situação é a fila andar rapidamente. Pense em um aeroclube como o Aeroclube de Goiás, por exemplo, mas com apenas seis instrutores, como deseja o SNA. Vem uma companhia e leva os seis em um curto prazo.
Neste caso, a diretoria precisará repor esses seis instrutores simultaneamente. Um aeroclube rodando com todos os instrutores com 180 horas, novatos é, definitivamente, um comprometimento de qualidade de ensino e de segurança. Eles serão obrigados a assumir a instrução em um Seneca, em voos IFR, por instrumentos, noturno. Isso é atropelar etapas, é criar riscos altos.
O aviador precisa de um tempo de maturação. Além disso, cada aeroclube possui sua cultura interna operacional e de como tratar a segurança de voo, ao seu modo, mas sempre mantendo este item como prioridade. Isso só é adquirido, plenamente, com tempo de vivência de cada instrutor dentro das instituições.
Não basta jogar um instrutor novato para voar no limite da regulamentação dos aeronautas. É preciso tempo de casa. Um aeroclube não lida só com sonhos, lida com vidas.
O correto é, em vez de cada instrutor voando 100 horas por mês, é termos instrutores voando entre 30 e 50 horas cada. Em um ano e meio ou dois, estão prontos para linha aérea.
Assim o novato chega, aprende a cultura da instituição, não só de segurança, mas de relações interpessoais e comerciais, aprende com os mais experientes todos os segredos da instrução e se desenvolve. E se uma companhia aérea leva metade deles em um curto espaço de tempo, a instituição continua funcionando sem perder sua identidade e cultura de segurança de voo.
Pela lei e pelos regulamentos aéreos, um piloto apenas com 150 horas de voo, com suas habilitações válidas, pode ser contratado para ser piloto de uma companhia aérea. Isso definitivamente, não é o ideal para as companhias aéreas. Esse cenário pode existir a partir do momento que haja um aquecimento do mercado com todos os aeroclubes e escolas reduzindo instrutores, como demanda o SNA.
Uma tendência que já começa a ser registrada nos aeroclubes, devido a intransigência do SNA, é essas instituições, com o objetivo de manterem a segurança de suas operações, deixarem de tentar estimular as oportunidades de carreira nas vagas de instrutores. Fazem isso com o objetivo de resguardarem sua cultura interna de segurança, ao incluírem em seus quadros, instrutores com mais de 40, 50 anos, ou aposentados. A possibilidade deles deixarem o aeroclube é baixa.
Assim deixam o quadro de instrutores rotativos, os que estão na instrução para ganhar horas, mais reduzido ainda. Imagine novamente o Aeroclube de Goiás, que em vez de 18, fica com apenas seis instrutores, sendo que apenas 5 vagas são de oportunidades de horas de voo.

A importância dos aeroclubes para o Brasil

Um brasileiro, Santos Dumont, foi quem fez o primeiro avião da história decolar de uma superfície plana. Nosso país possui a terceira maior fábrica de aviões do mundo. Estamos apenas atrás da Boeing, norteamericana, e a Airbus, soma de esforços de diversos países europeus. Nossas companhias aéreas são respeitadas globalmente. Os pilotos brasileiros, durante a segunda guerra mundial, tiveram um desempenho proporcional superior aos da Força Aérea dos EUA. Ou seja, a gente projeta, fabrica e pilota magistralmente. Sim, o mundo olha para nós com inveja quando falamos de aviação.
A base disso começou no fim dos anos 30, quando Assis Chateaubriand deu a ideia e Getúlio Vargas, o presidente da época, topou. O Brasil, um país continental, precisava se desenvolver na aviação. O governo incentivou e centenas de aeroclubes foram fundados. Era questão de estratégia nacional. Deu certo.
Podemos fazer uma analogia: o Brasil tem cinco campeonatos mundiais de futebol. Mais que qualquer outro país do mundo. Só conquistamos isso porque temos o Flamengo, o Grêmio, o Santos, o Inter de Porto Alegre, o Corinthians, o Bahia, o São Paulo, o Vasco, o Palmeiras, o Fluminense, o Atlético Mineiro, o Cruzeiro, e outros menores nos campeonatos das séries B, C, futsal, society e várzea.
E o Brasil só é o que é na aviação porque tem os aeroclubes de Belém Novo, Bragança Paulista, São Paulo, Pará de Minas, Eldorado do Sul, Itápolis, Bauru, Marília, Santa Catarina, Brasília, Juiz de Fora, Uberlândia, Paraná, Londrina, Resende, Ibitinga, Blumenau, Campinas, Erechim, Piracicaba, Catanduva, entre diversos e diversos outros. Além de escolas particulares como, a QNE, a Voe Floripa, EJ, a Santos Dumont, a Sierra Bravo…
Os aeroclubes são um patrimônio material e imaterial de valor incalculável para a aviação brasileira.

Como o SNA colabora com o fechamento de aeroclubes pequenos e até médios

Um aeroclube grande consegue se manter com a redução de instrutores que o SNA exige: contrata instrutores acima dos 40 e assim também mantém sua cultura de segurança e operações, sem problema algum. Além disso, gastam praticamente a mesma coisa com pessoal. Entretanto, existem outros cenários importantes para o país: os aeroclubes médios e pequenos do interior.
Como primeiro exemplo, nem falaremos de um pequeno, mas um de tamanho médio: o Aeroclube de Alegrete, no Rio Grande do Sul, nada diferente da realidade de muitos outros. Recentemente eles perderam a homologação para dar cursos e estão batalhando para retorná-la. “Perdemos a escola, agora a gente tá tentando reomologar e tudo mais, uma batalha inglória para um aeroclube que não tem ninguém com salário”, afirma um sócio, que nos narrou como anda a situação por lá. “É um aeroclube que todo mundo fazia algo porque tinha algum tipo de dívida com o aeroclube. Pessoas que são formadas lá, e se não fosse por ele, não teriam a profissão de piloto hoje”, complementa.
Com exceção do caseiro, não tem ninguém que recebe salário. Ele explica sobre as dificuldades atuais: “Hoje um instrutor tem que ser contratado. O aeroclube não morreu ainda porque nós somos sócios, a gente vai diariamente”, afirma. O que faz o aeroclube se manter é o aluguel de um dos hangares para uma empresa de aviação agrícola e intermediação do combustível vendido no aeroporto para outros usuários.
Alegrete não tem como contratar um instrutor pelo piso do aeronauta. Em outros tempos, era para estar lá um instrutor ou dois, ganhando por hora, e mesmo que fizessem 20 ou 30 horas por mês cada um, estariam desenvolvendo suas necessárias experiências para seguirem em suas carreiras. Além disso, também estariam formando a próxima leva de instrutores, que ocupariam suas vagas. “Sempre foi pela hora ou por ajudar o aeroclube”, explica o sócio, que já foi instrutor.
Com a renda dos voos, manteriam dois aviões pertencentes a ANAC, e os outros cinco pertencentes ao aeroclube, voando, além de estarem investindo nas instalações da instituição, sem risco de perder aviões e história. Hoje, dos sete aviões, cinco estão com documentação em dia, mas subutilizados. Muitos sócios colocam dinheiro de seu próprio bolso para que o aeroclube se mantenha.
Sempre há um líder que aglutina e batalha ferozmente. “Se não fosse ele, e a família dele, disponibilizarem todo o tempo que disponibilizam, além de grana e material. Material humano e material mesmo. Já tinha fechado há muito tempo”, comenta um sócio sobre a atuação de Fernando Guerra, o presidente do aeroclube.
No momento, não há aeronaves em instrução voando sobre Alegrete. Imagem que poderia inspirar desde crianças até adultos para que se tornem futuros pilotos, fazendo a roda girar. Se um aeroclube médio, com as contas apertadas, mas se equilibrado, como Alegrete, passa por tal dificuldade, imagine como estão os pequenos, com um ou dois aviões, e sem renda.
Outro exemplo é o Aeroclube de Poços de Caldas, no Sul de Minas Gerais, de tamanho menor. Eles possuem apenas um avião próprio, um lindo T-23 Uirapuru, e outros agregados. Três instrutores revesam as aulas, com o aeroclube voando uma média de 50 horas geral por mês. Sendo aproximadamente 30h de voos de instrução, 10h de panorâmicos e 10h de voos de sócios.
Um deles instrui com mais frequência, em dias de semana. Ele já tem os requisitos mínimos para companhias aéreas e pode deixar o aeroclube a qualquer momento. Dos outros dois, um é piloto particular da aviação geral e cobre situações raras de agenda cheia, e o terceiro trabalha em outro ramo profissional, na cidade, mas como é novo ainda, soma horas de voo nos fins de semana, alimentando o sonho de também ir para linha aérea.
Todos dividindo um bolo pequeno, mas ativos na aviação, somando horas, e voando com segurança, sob a supervisão aeronáutica e de entusiasmo do Totogno, o checador e ex-presidente do aeroclube. “Ele é o véio que dá a última palavra em questão aeronáutica. Quando as coisas vão cair, aí ele vai lá e trabalha de graça para o aeroclube, ele pega as coisas para fazer, ele reune a galera”, explica um sócio.
O SNA já os enviou ofício, pedindo um posicionamento. O aeroclube respondeu informalmente que pelo baixo volume de operações “não era viável”. Se o SNA colocar a faca no pescoço da diretoria, eles serão obrigados a reduzir o quadro para apenas um único instrutor, gerando oportunidade para apenas um, retirando os eventuais, ou encerrando os voos de instrução por completo, em caso de não conseguirem honrar o piso do SNA, devido aos poucos voos, e assim ferindo de morte a entidade. Esta realidade é semelhante com a de diversos outros pequenos.
Um pequeno hangar, um Paulistinha sobre o gramado, um ou dois alunos, todos batendo papo sobre aviação na porta do hangar, já é um cenário que está se tornando raro no Brasil. E esses pequenos aeroclubes são de fundamental importância para a disseminação da paixão pela aviação, formação inicial e para manter o orgulho e cultura aeronáutica nacional ativa.

Sem fins lucrativos

Presidentes e diretores de aeroclubes não ganham salário para terem esses cargos. Aeroclubes são entidades sem fins lucrativos. Entretanto, se uma dessas entidades perde um processo judicial, trabalhista, por acidente ou qualquer outro, e precisa pagar uma indenização, se a entidade não tiver bens a vender, a justiça busca os bens dos sócios. Por isso os aeroclubes não podem “dar um jeitinho”, e colocar um instrutor só para fazer suas horas, pagando a ele por hora e voo apenas, mesmo que sejam poucas.
Como presidentes e diretores não ganham nada para terem esses cargos, eles não podem correr o risco de, posteriormente, terem prejuízo, ao receberem um processo judicial trabalhista, baseado na lei do aeronauta. Nesta situação, eles preferem deixar que os possíveis instrutores fiquem travados em suas 180 horas.
Quando as pessoas procuram entender como funciona um aeroclube, elas podem até ficar desconfiadas de estarem ouvindo uma exagerada história romântica. Mas é isso mesmo. Existe, dentro de cada aeroclube, paixão pela aviação e pela entidade. É muito comum os diretores e presidentes colocarem dinheiro de seus próprios bolsos em tempos de dificuldades.
Quando você passeia pelo pátio do Aeroclube de Bragança e vê aquela formidável frota de Paulistinhas, pode apostar, tem paixão ali. Quando você vê que o pessoal do Aeroclube de Pirassununga, liderados pelo entusiasmo de Thiago Sabino, colocou seu clássico PT-19 para voar novamente, pode apostar, tem paixão ali.
Normalmente quem assume as diretorias de aeroclubes são pessoas das respectivas cidades com alguma ligação emocional com a instituição. São empresários, advogados, funcionários públicos, aposentados, pilotos por profissão ou por hobby, mas sempre idealistas. Todos os aeroclubes tem uma história parecida.
O Aeroclube de Bragança, por exemplo, no início dos anos 90, estava para fechar. Havia apenas um avião voando em uma determinada época. Diversas pessoas assumiram as rédeas sob a liderança de Paulo Leite, o presidente de então, que é empresário na cidade e piloto por hobby. Devagar foram colocando mais de dez Paulistinhas para voar, além de outros aviões. Foi muito esforço. O ACBP hoje se mantém bem, apesar da forte crise que perdura no país. O legado da dedicação daquela direção se mantém até hoje.
Voltamos ao caso Aeroclube de Goiás. É exatamente por isso, por paixão, que o Arsênio Costa, presidente da instituição, prefere ter o triplo de instrutores e contesta a redução exigida pelo SNA. Ele não deseja apenas ver os aviões voando e o aeroclube saudável financeiramente. Ele quer ver seus instrutores progredindo na carreira. “Eu sou um piloto frustrado, eu queria ter sido piloto profissional. Quando um dos meus instrutores vai para a linha aérea, eu me emociono”, confessa.
Entendam: o que mantém os aeroclubes respirando é uma força exatamente contrária da que esmagou o DC-3 no Rio.

Aeroclubes são instituições frágeis

“Avião” é uma palavra que mexe com o imaginário popular. Um aeroclube possui aviões, e além disso, possui prédios grandes, afinal, os aviões precisam de espaço para serem guardados. São sempre localizados em imensos terrenos, porque afinal, para decolar os aviões, são necessárias pistas grandes.
São entidades com mais de setenta anos, já parte das paisagens das cidades onde se encontram. E são sempre tradicionais em suas sociedades. Tudo isso passa uma imagem de serem instituições sólidas como rochas. Não são.
Em uma madrugada, há alguns anos, tratores destruíram a pista do Aeroclube da Paraíba. De um dia para outro, o Aeroclube do Brasil, no Rio de Janeiro, o mais antigo do país, que teve inclusive Santos Dumont como sócio, foi despejado.
Semana sim, semana não, notícias da mídia informam que o Aeroclube de São Paulo, um dos mais importantes do país, será fechado por decisão da justiça, seguida de outra, informando que o aeroclube conseguiu uma liminar para permanecer. E todos os anos, notícias explicam planos de algum político sobre o que querem fazer com o terreno do Campo de Marte.
Como o Luiz Antônio, presidente do ACSP, pode fazer planos para o futuro? Como ele faz para vender cursos se os alunos não sabem se o aeroclube vai estar aberto no dia seguinte?
Empresas com espaços semelhantes ao que um aeroclube ocupa tem faturamentos altos e lucros imensos. Aeroclubes, se estiverem voando bastante, podem até ter um faturamento razoável, porque as horas de voo, manutenção e gasolina de aviação, são caras, mas o lucro em si, para a entidade, é geralmente muito baixo.
E em tempos de bonança, a prioridade é sempre a ampliação, reformas, ou colocar aviões para voar. Se ocorre uma situação de sobrar dinheiro em caixa, o que é raro, as diretorias, em regra geral, correm para comprar mais algum avião, orgulhosos do feito.
Dinheiro é poder. E aeroclubes, salvo raríssimas exceções, não tem poder.

Forças que atuam contra aeroclubes

Quando a maioria dos Aeroclubes foram fundados, na década de 40, eles estavam longe dos centros das respectivas cidades. Além disso, estavam em terrenos que valiam pouco, e em muitos casos, doados aos aeroclubes. Naquela época, segundo o IBGE, o Brasil tinha 40 milhões de habitantes, com apenas 31% da população vivendo em áreas urbanas. Hoje o Brasil tem de 209 milhões de pessoas, sendo mais de 80% em áreas urbanas. Ou seja, as cidades cresceram muito e abraçaram os aeroportos que antes eram distantes.
Há uma lei federal que garante que um aeroporto não pode ser fechado se tiver um aeroclube funcionando. Isso faz com que eles sejam o primeiro alvo. Verdadeiras guerras já foram iniciadas, por políticos, contra o funcionamento de entidades nessas situações. O objetivo é asfixiar para que pare de funcionar e o terreno seja destinado para outra função.

Um olhar no Rio Grande do Sul

É uma região com muito prestígio, sendo um dos principais berços da aviação brasileira. Camilo Freitas, piloto e entusiasta da aviação, relatou suas andanças pelo estado. “Essa semana eu tive a oportunidade de estar em três: Cruz Alta, Cachoeira e Alegrete. Cruz Alta, para você ter uma idéia, e Cachoeira também, eu não consegui nem entrar nos hangares. Cruz Alta tem um bar, que abre, mas o aeroclube não abre”, informou, lamentando. “Tudo fora de voo, tudo totalmente inviável”.
“O Aeroclube antes tinha um domínio sobre a área, não sei o termo técnico, e eles tinham uma área relativamente grande, eles arrendavam um pedaço pra plantar soja. Aquilo dava uma renda interessante para o aeroclube. Agora essa renda está para a prefeitura. Estão fazendo de tudo para que o pouco que sobrou de aeroclube acabe. O aeroclube tem duas pistas, é lindo, um lugar maravilhoso, dentro da cidade”, detalha mais sobre Cruz Alta.
O Aeroclube de Novo Hamburgo está localizado em uma área urbana, já sofreu pressões e conseguiu resistir. A área, hoje, vale muito. “Em momentos críticos a gente conseguiu esclarecer tudo favoravelmente”, relata Feijó, o presidente do aeroclube.
Lá, o terreno, que foi doado na época, passa a ser da prefeitura em caso de deixar de ser um campo de pouso. “Mas o aeroclube sempre vai existir. Enquanto tiver um menino na porta do hangar olhando para o céu, aquilo ali vai ser um campo de aviação”, explica, confiante, sobre a força que move a aviação.
Em relação a SNA, eles aderiram, há dois anos, a um acordo com o sindicato. Com isso reduziram de três instrutores para apenas um. “Os outros dois que tive que dispensar passaram por grandes dificuldades para conseguirem suas horas de voo”, lamenta Feijó, que sugere como solução criar a figura, dentro da legalidade, do instrutor estagiário, para que os pilotos possam somar horas em suas experiências de voo.
Feijó, que possui uma visão otimista do SNA, explica mais sua sugestão: “São profissionais da aviação, mas tem essa questão que tem que ser vista também, que é mais interessante para eles (os instrutores) darem instrução e adquirirem sua experiência, do que essa solução legal, de carteira assinada (como aeronautas), tudo certinho. Então eu acho que é um meio termo muito interessante, até porque, ele dando instrução com supervisão de um instrutor mais experiente, ele se qualifica melhor”.
Em todo o estado dois aeroclubes são grandes: Eldorado do Sul e o ARGS, que também, pressionados, aderiram ao acordo proposto pelo SNA e tiveram o número de instrutores reduzido drasticamente, desestimulando carreiras aeronáuticas, sua principal função “O aeroclube de Belém Novo sofre ali uma pressão cavalar, mas cavalar mesmo. Se a diretoria der uma cedidinha, em outro ano tem um condomínio ali, com certeza”, afirma um sócio do ARGS, elogiando a diretoria presidida por Igor Domingues, sobre sua resistência em relação a pressão sofrida pelo aeroclube, localizado ao lado de um bairro nobre.

Interesses obscuros

Este é o cenário de todo Brasil: dólar alto, aumento substancial do valor do combustível, dificuldades com a crise, pressões externas de todos os lados, e o SNA desmontando a estrutura interna de ensino, reduzindo oportunidades para instrutores em 75% ou mais, produzindo piora na formação nos que restam, trazendo desemprego e roubando o que todos os aviadores tem de melhor: sonhos.
Quem um dia poderia imaginar que (um piloto!), Ondino Dutra Cavalheiro Neto, o presidente do SNA, ao colocar bombas relógio dentro da sala de instrutores de cada aeroclube, hoje pode ser considerado, pelos mais podres especuladores imobiliários, o melhor e mais fiel amigo?
Ondino está dando, hoje, a principal colaboração para que aviões em atividade parem de voar, e para que aviões parados virem sucatas definitivas nos fundos de hangares igualmente sucateados.
Não é um exemplar apenas, como um mero DC-3 corroído em uma praça. São dezenas ou centenas.
Muito em breve, se continuarmos no mesmo rumo, chegaremos no ponto de dizer que aquelas histórias das pessoas que chegaram nos aeroclubes, arrumaram trabalho como limpadores de aviões, depois viraram assistentes de mecânicos, e foram trocando horas de trabalho por horas de voo, para assim aprenderem a voar, e hoje são comandantes de grandes jatos, apenas representam histórias um passado romântico da aviação.
Dissemos, no começo do texto, que era incompetência ou incapacidade nula de análise. Mas há, obviamente, mais uma opção: interesses inconfessáveis.
Nas eleições de 2018, inebriados pelo auge da publicidade do SNA, um presidente do sindicato foi em todos os aeroclubes pedindo votos para sua candidatura a deputado. Queria ser político. Distribuiu santinhos ostentando o título de “comandante”. Não foi eleito. Muitos de nós, na época, votou nele. Achamos que eles deveriam repetir sua romaria, agora, para ver como estão essas mesmas instituições.
Sindicatos, historicamente, sempre foram trampolins para interesses pessoais e políticos. Com a perda de prestígio, o SNA e Ondino tem visto os filiados, e a renda, minguarem. Restou uma única opção: processar instituições de ensino, mesmo que os instrutores, os “prejudicados”, não tenham se unido e feito uma reclamação, e assim tentar fazer o SNA sobreviver sobre os escombros de hangares, Paulistinhas, Aeroboeros e planadores.
O Brasil precisa de menos Ondinos e precisa de mais, na melhor acepção da palavra, aviadores: mais Paulos, mais Fernandos, mais Antonios, mais Sabinos, mais Arsênios, mais Totognos, mais Feijós e mais Domingues, entre diversos outros semelhantes que batalham, com insistente paixão, pelos aeroclubes de todo o país.

Publicado em 19/02/2020.

Fonte: Aeroclube de Itápolis - https://www.aci.com.br/noticias/20/2020 ... -no-brasil
Grato desde já!
Abraços!!!
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